esta mulher que caminha em mundos paralelos
entre indiferença e rotina
sente vontade de juntar na alma pedaços antigos
palavras
que saem da memória
tomam forma no papel

sua carne sua sede sua coragem
sua face afiada

da pele à flor

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Cinco Sentidos

O reencontro foi acidental, numa rua qualquer, numa hora sem nome, num dia que poderia ser qualquer um, nada disso era importante, o que valeu mesmo foi aquele instante, em que mesmo de longe eu vi seu corpo caminhando em minha direção, como tantas outras mil vezes ele havia feito. Só que agora, não eram alguns passos que nos separavam, eram vinte e cinco anos, quase bodas de prata de separação.


Naquele instante eu via não só o homem que um dia foi muito amado por mim, mas o tempo que havia passado sobre nós, as marcas, as mudanças, e eram tantas, que de minha parte mesmo que eu quisesse contar, mil e uma noites não bastariam.


Ele foi se aproximando, sem pressa, em seguida um sorriso de alegria e boas vindas. Segurou minhas mãos, e havia naquele toque o mesmo calor de antigamente, como se ele ainda mativesse a mesma temperatura de outrora. Depois, me abraçou longamente, descontando uma saudade
antiga que, a medida que ele apertava minhas costas, ia se desprendendo de nós e trazia alívio pelo amor contrariado um dia.


Quando me soltou, falou emocionado, primeiro como se fosse um segredo, bem perto de meu ouvido: "quanto tempo, quanta saudade..."e começou a fazer as perguntas comuns que fazemos a quem perdemos de vista. Sua voz mantinha o mesmo timbre rouco, emocionado e tão querido.



Mesmo que tivesse sido breve, o nosso abraço, em minha memória voltou aquele perfume de colônia inglesa; ele continuava fiel a Yardley, sempre conservador, sempre elegante, sempre ele mesmo. A vida não tinha maltratado seu compasso.


Na despedida, uma leve ousadia, um roçar de lábios, um selinho, como a garotada costuma dizer, e de novo senti aquele hálito de pipoca em sua boca, aquele gosto de passado, de beijinhos roubados na sessão de cinema, aos sábados.


Da mesma forma que surgiu, desapareceu dobrando uma esquina qualquer da vida, daquela vida que um dia eu disse não, mas ficou gravado em todos meus cinco sentidos um tempo que foi alegre, e eu tão jovem.


Faz parte da bagagem.

Um comentário:

  1. Um recorte de saudade que guardamos no peito, mas, de quando em quando, como um vulcão adormecido, entra em erupção: calores imprevisíveis.

    Muito bem escrito, Sandra! Pé no acelerador, garota!

    beijo

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