esta mulher que caminha em mundos paralelos
entre indiferença e rotina
sente vontade de juntar na alma pedaços antigos
palavras
que saem da memória
tomam forma no papel

sua carne sua sede sua coragem
sua face afiada

da pele à flor

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Palavra viajante

vai palavra
sai de mim
e segue seu destino de mulher

água doce
corre
no leito do rio
toca
as margens,o limite,o profundo
vence
o desafio das curvas
sem saber o que vem depois
continua
navegando obstáculos da sintaxe
ora correnteza
ora calmaria
pule
as pedras do caminho
e se alimente do limo
- macia esperança -

desague
enérgica cachoeira
que ao tocar a terra
amolece os corações

seu ponto de chegada

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Amor aos pedaços

arranco palavras
uma a uma
fio por fio
e no destecer contínuo
jogo tudo no chão:
frases

pontos e vírgulas
deste amor aos pedaços
que não posso remendar


piso nas lembranças
sangro meus pés
rasgo tudo que do amor
foi papel:
cartas
poemas e retratos


sento na soleira da porta
e começo a chorar

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Cinco Sentidos

O reencontro foi acidental, numa rua qualquer, numa hora sem nome, num dia que poderia ser qualquer um, nada disso era importante, o que valeu mesmo foi aquele instante, em que mesmo de longe eu vi seu corpo caminhando em minha direção, como tantas outras mil vezes ele havia feito. Só que agora, não eram alguns passos que nos separavam, eram vinte e cinco anos, quase bodas de prata de separação.


Naquele instante eu via não só o homem que um dia foi muito amado por mim, mas o tempo que havia passado sobre nós, as marcas, as mudanças, e eram tantas, que de minha parte mesmo que eu quisesse contar, mil e uma noites não bastariam.


Ele foi se aproximando, sem pressa, em seguida um sorriso de alegria e boas vindas. Segurou minhas mãos, e havia naquele toque o mesmo calor de antigamente, como se ele ainda mativesse a mesma temperatura de outrora. Depois, me abraçou longamente, descontando uma saudade
antiga que, a medida que ele apertava minhas costas, ia se desprendendo de nós e trazia alívio pelo amor contrariado um dia.


Quando me soltou, falou emocionado, primeiro como se fosse um segredo, bem perto de meu ouvido: "quanto tempo, quanta saudade..."e começou a fazer as perguntas comuns que fazemos a quem perdemos de vista. Sua voz mantinha o mesmo timbre rouco, emocionado e tão querido.



Mesmo que tivesse sido breve, o nosso abraço, em minha memória voltou aquele perfume de colônia inglesa; ele continuava fiel a Yardley, sempre conservador, sempre elegante, sempre ele mesmo. A vida não tinha maltratado seu compasso.


Na despedida, uma leve ousadia, um roçar de lábios, um selinho, como a garotada costuma dizer, e de novo senti aquele hálito de pipoca em sua boca, aquele gosto de passado, de beijinhos roubados na sessão de cinema, aos sábados.


Da mesma forma que surgiu, desapareceu dobrando uma esquina qualquer da vida, daquela vida que um dia eu disse não, mas ficou gravado em todos meus cinco sentidos um tempo que foi alegre, e eu tão jovem.


Faz parte da bagagem.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Carne Viva

Já não escrevo poemas
falo de improviso
loucuras do coração

e se mergulho no verde de tuas águas
não mais vejo teus olhos
lembro teus beijos um dia
roubados numa noite qualquer.

Recordo as Estações de Vivaldi
quebrando o silêncio do quarto
e nos partindo em dois.

Ao longe tua voz pausada e doce
envenenando meus ouvidos
pela culpa do prazer sentido
e não mais repetido.

E lembro o tempo que passou
sobre o tempo que nos machucou.

Hoje, tantas perdas e derrapagens
tantas mortes depois...
não sou palavras nem metáforas
sou emoção.

E quando mergulho em teus olhos
não mais contemplo a superfície
vejo tua alma despida
desamparada criança
homem perdido

Então, fecho meus olhos

desvendar-te seria possuir
teus mistérios
mais uma vez
sem permissão.

domingo, 11 de outubro de 2009

Síntese

febre de conhecer caminhos
viajando sentimentos na pele
sabendo
o que não ousamos perguntar
descobrindo
com a ponta dos dedos
tudo que é sensível
suor é mel
perfume: veneno

desejo de percorrer frestas
cheirando fruto
mordendo a carne
cavalgando teu corpo
no ato simples de se lançar
sem medo dos limites
esticando
nervos pernas troncos e braços
movimento liberto no espaço

delírio de ser no outro
a resposta